terça-feira, 29 de setembro de 2009

Tuli



Os velhos carrancudos não morrem. Os simpáticos se vão... Os velhos pedófilos, tarados, sisudos, não morrem... Os engraçados, contadores de histórias – nossos avós se vão... Esse ano fui surpreendido com a morte de um destes personagens. Que como tantos, passam pela vida, sem muito terem para dizer... aparentemente... Na visão da maioria de nós, que como jovens, refutamos todas suas idéias! Mas nas entrelinhas, todos têm, muito a dizer!
Tuli era um cabeleireiro antigo da região. Palmeirense, adorava futebol. Adorava falar de política, e como todo bom cabeleireiro das antigas, tinha milhares de coisas a contar. Histórias inúmeras. Fatos. Peripécias. Que hoje, hoje onde estão? Apenas na memória de quem teve o prazer de conviver com ele...
Quando um homem se vai, leva consigo seu conhecimento... Já dizia o dizer filosófico de alguém que a essa altura já levou consigo também seu conhecimento! Mas enfim, quando uma pessoa se vai... leva consigo seu jeito único de falar, gesticular, interpretar a vida... sua maneira singular de ser o que é, e o que não...
Tuli, como todo bom e velho cabeleireiro... tinha muitas histórias a contar! Sabia disso! Sabia que seu conhecimento, um dia não estaria mais ao nosso alcance, e foi por isso, que até os seus últimos instantes, permaneceu ali! Ali, naquele velho e antigo salão... que não se adequou a modernidade, que não ganhou novas cores, com o passar do anos. Alguns quadros. Alguns poster’s. Fotos de peladas. Manchetes de jornais. Destaque para o campeão da vez. Sabia que um dia, ele seria também um quadro ali dependurado... E, então, ali, enquanto aparava as barbas, cortava os cabelos, contava, senhor de si, sobre tudo que viveu e aprendeu no decorrer de sua vida! Tuli, uma destas figuras inenarráveis que sabia destacar muito mais do que Pelé e Coutinho. Que tinha o poder raro da oratória. Excelente comunicador. Contador de causos. Não teve a chance de estudar, certamente. Mas não se fazia ignorante por conta disto! Era um sujeito antenado. Sempre a par das novas. Daqueles que, a seu modo, tinha uma opinião sobre tudo. Muitas vezes de maneira irônica – o que é ótimo - Sabia o Palmeiras de 76, o São Paulo de 77. Sabia o Lula em São Bernardo. Lembrava orgulhoso do início do plano real. Enchia a boca de prazer ao falar do Senna. Lamentava o atual momento da fórmula 1. Achava justa a forma dos pontos corridos do Brasileirão. Se irritava facilmente com a seleção brasileira. Adorava o Romário. Fã do estilo Felipão. Lamentava também a morte de Tancredo Neves. O qual, era pra ele, o último político bom. Lembrava sempre da ditadura militar...
Tinha o Cabelo escorrido. Liso. Fios longos de um castanho agrilhasalhado, característico seu, original. A pele cheia de sardas e marcas do tempo e do sol. Usava óculos de armação arredondadas. Fumava muito! No intervalo entre um e outro cabelo, claro! Com seu jeito simples. De bermuda e regata na maioria das vezes. Azul. Regata azul, é a cor que me recordo e chinelo de vão de dedos. Todo largadão... Estilo paizão no final de semana! E me recordo bem da sua voz rouca me dizendo: “Esse menino tem o cabelinho bão...”
Era um apaixonado por tudo que fazia. Alternava suas atividades de barbeiro/cabeleireiro, com treinador de Escolinha de futebol para crianças carentes. Mas o salão nunca se fechava... Nunca! Para que ele pudesse treinar os meninos, treinou antes o filho para cabeleireiro também... Alguém haveria de se apoderar do trono! Ciente disso, tratou de ensinar o filho sobre a arte de cortar cabelos! Claro, como quem prepara o terreno para pouco a pouco sair sem ser notado... sair sem que não se perceba que saiu... sair sem que se lembrem sua falta! Bobagem! Sua falta é sentida e percebida...Todos os dias! E de lá para cá, sempre que ouço falar de futebol, me lembro muito desta figura, como tantas que se há por aí mas singular e única, como cada um de nós é na sua essência!
O salão continua sendo freqüentado pelos mesmos de antes... seu filho, Ernani, corta os cabelos diversos dos clientes de seu pai. E conta agora, além das histórias que seu pai contava, também as histórias dele. Tuli se transformou também em um daqueles famosos personagens de quem se orgulha de se mencionar! Daqueles personagens que outrora ganhavam vida por força dele. Agora ele é chamado a vida por nós. E não são raros os momentos em que aqueles velhos senhores se emocionam... fingem que não! Mas eu sei... eles escondem os olhos vermelhos de lágrimas sem motivos! Não deveriam! É bonito chorar!
Choro que se fez presente, no rosto de alguns meninos que, treinados por ele, perderam há pouco tempo a disputa do torneio título na grande final. Aprenderam com ele também a perder! Porque na vida não se vence todas. E essa era clássica dele: “enquanto a bola rola, lutamos até o último suspiro, depois que a bola pára, somos de novo iguais” Formava bons times de moleques para além das quatro linhas... Não tinha estrutura nenhuma para fazer. Mas tinha uma coisa que falta para muitos de nós hoje em dia: amor pelo que faz... Fiquei sabendo de sua morte pela TV... acredite! Seu filho estava dando uma entrevista para o canal local, onde um dos homenageados era seu pai e eis a sua frase, que foi de arrepiar e arrebentar o coração: “O corpo já foi, mas o que fica é isso aqui...” Não vou mentir se disser que não chorei. Chorei e muito... A gente nunca sabe o quanto a gente tem apreço por algumas pessoas. Na maioria das vezes, só nessas horas! Só quando essas pessoas se vão...

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Copa Tuli de Futebol Society Mirim tem início

Na manhã do último domingo (8), aconteceu a abertura da Copa Ernani Augusto Pasculi –Tuli de Futebol Society Mirim no parque municipal Antonio Molinari. Quatorze times, com jogadores de 10 e 11 anos de idade, estão disputando o campeonato. A abertura teve desfile das delegações e três jogos. URCP e Viva o Esporte/Mitsui empataram em 1 a 1. Fut-Poços goleou o Projeto Fênix em 4 a 1. E o Cascatinha empatou com o Sesa/Toque de Bola em 2 a 2.Houve ainda homenagens à família do treinador que dá nome à copa, Ernani Augusto Pasculi, que treinou equipes mirins de futebol durante mais de 20 anos. “O ‘tio Tuli’ dava às crianças um conhecimento de futebol, um conhecimento para a vida”
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2 comentários:

  1. é assim a vida Messias ... como postei hoje: se para viver tudo o que é bom na vida, temos que viver tudo o que é ruim, não abro mão de nada o que é ruim ... bela homenagem a uma pessoa q com certeza valeu a pena conviver ... sentimentos querido pela perda de um amigo ...

    bjux

    ;-)

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  2. Que texto emocionante...
    Tem pessoas que são eternas.
    Muito lindo o texto...pude me sentir visitando o salão e escutando ele contar seus causos, embora nem imagino como ele seja. Típico personagem de livro.

    Bjuus

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