domingo, 25 de março de 2012

Contra mim















Tudo que sei e que não sei depõe contra e a favor de mim.  Era isso! Só isso. Toda minha vida resumida a uma frase só. E não qualquer frase. Uma frase curta que entoa um canto nada pragmático. Que apresenta um significado incerto. De uma natureza toda subjetiva. E ainda sim, objetiva. Eu já não entendi o porquê de ter escrito essa frase, um dia, em um pedaço de papel e botado na carteira. Levei um susto enorme quando reli aquele pedacinho de folha. Já não me recordava as razões e emoções que me levaram aquilo. Já não... mas não adiantava mais. Aquilo já depunha contra mim. O fato de não saber ou não me lembrar não me justificava. Não me isentava de nada. Eu era culpado ou inocente já. Já estava sentenciado a pagar ou não por alguma coisa que sabia ou não sabia. Confuso? Talvez sim. Mas agora era tarde.

Eu me tornei uma frase em um mísero pedaço de papel. E teria de conviver com isso por muito e muito tempo. Aprisionado a uma idéia. Agora entendo: a palavra tem poder. Tem, tem poder! Um poder muito maior do que se pode imaginar. Eu sou um pedacinho de papel. Que me julga e me mede. E me faz caber nele. Você é de que tamanho? Eu gostaria de saber... você cabe em um pedaço de papel? Tudo que não cabe em mim, sobra. Mas cuidado com as coisas que você diz sobre si. Algumas palavras podem te limitar por muito tempo.

Eu, a partir de agora devo me policiar. Tomar cuidado com tudo que aprendo. Isso sim é muito grave. Tenho o dever de compartilhar tudo o que eu aprender. Porque isso se voltará contra mim. Não me confidencie nada! Não confie a mim um segredo. Se traiu, se roubou, se matou alguém. Se adora ver vídeos de sexo homossexual. Se tem fantasias eróticas... não me digam! Procurem outra pessoa. Não me responsabilizo por quaisquer danos causados após uma eventual revelação que possam fazer.

Ah e não é drama meu. Vem agora a parte mais grave da minha grande questão. Não apenas o que eu souber depõe contra mim. Aquilo tudo o que eu não souber também. Todas as coisas do mundo que eu não me ligar em aprender. Todos os livros que por preguiça ou falta de tempo eu deixar de lado. Todos os filmes que eu deixar passar batido. Todos os aparelhos que eu não souber manusear. Todas as músicas as quais eu não puder ou não quiser ouvir. Tudo isso, depõe contra mim. Fui condenado a estudar e estudar e estudar! Para sempre. Nunca poderei deixar de aprender. Pagarei pela ignorância ou inexperiência em todo e qualquer assunto que me questionarem. Porque estou ciente de que o que não sei, depõe contra mim. Desde os Gibis, passando pela Barsa, Alcorão e a bíblia. Tudo. Tudo entrará em questão. Porque em qualquer um destes lugares poderá estar um conhecimento que me faltará. E não foi outra pessoa que disse: “Tudo que sei e que não sei depõe contra e a favor de mim”. Senão eu.

A favor de mim pesará meu compromisso. A minha verdade que me move. A honestidade com que eu te digo: não confies em mim. Porque todo ser humano é torto. Sim e não se deve submetê-lo a uma condição de parede, a qual se revela as mais graves barbarias e sabe que ela permanecerá ali. Quieta. Fria. Emudecida. A favor de mim, leve-se em conta meu caráter, a certeza de que tento a cada dia fazer o meu melhor e que mesmo assim não sou melhor e nem pior do que ninguém. Depõe a meu favor, cada gesto que não preciso divulgar e cada vez que peguei na mão de alguém. E cada vez que ensinei  a uma pessoa uma palavra. Depõe a meu favor e a contra todos vocês o significado de cada palavra que vocês conhecem...  usam e falam. Porque ninguém é obrigado a nada nesse mundo, desde que não se obrigue.

Amar. Desejar. Querer. Poder. Fazer. Desistir. Errar. Cumprir. São apenas verbos sem vida própria. Se desejar, não os conjugue! Porque tudo aquilo que você sabe e não sabe depõe contra e a seu favor. Eu cometi o erro de abusar das palavras e me aprisionei a elas. Você pode escolher.  Se desejar o mesmo venha! Para me encontrar me busque em uma frase em um papel.