sábado, 21 de agosto de 2010

O outro


Antes eu pensava:
O que não sou eu é o outro
Hoje, não mais...
Eu sou o outro
Porque me visto pro outro
Me comporto pro outro
Me penteio pro outro
Me engordo/emagreço pro outro
Leio para dividir
Vejo para comentar
Penso, para falar
Pra mim? Não pra falar pro outro
Antes eu pensava
O que não sou é o outro
Hoje eu penso: quem eu sou?
E respondo, se sou o outro
Eu é algum outro
Que se veste para mim

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

O Filho pródigo às avessas


O relógio velho e antigo de parede no corredor badalava quatro da manhã, quando o jovem Romualdo, chegou em casa de uma festa acompanhado do amigo Pedro. Na cama se remexeu a mãe. Olhou pro pai e disse: - “Isso são horas?”
O pai resmungou: - “Relaxa Isaura, ele é homem.” Romualdo e o amigo que se excederam um pouco na bebida, não viram a hora passar e extrapolaram o café da manhã daquele domingo e quase atingiam também o almoço. De repente abre o olho Pedro: “Putz, que horas são?” Sem resposta alguma. Romualdo roncava em sua cama. Pedro se contorcia no colchão jogado no chão. Sim, pois a essa altura já não se podia dormir. Havia gritos e discussão vindos dos cômodos externos.

Tudo porque a irmã do Juninho havia encontrado um papelzinho de preservativo no quintal. E todas as hipóteses e desconfianças pareciam apontar para Romualdo Martiniano Junior. A irmã junto com a mãe na cozinha, pensavam em várias coisas, tentando, indignadas as duas, descobrir a origem de tal objeto.

A mãe tentou amenizar: “Esse portão não é nada seguro, quem garante que alguém não entrou aqui?” A irmã envenenou um pouco: “Pra mim essa amizade do Ju com esse Pedro é muito estranha! Esse cara não é aquele já foi até casado e não durou nada?! E o Ju... nunca vi com mulher nenhuma.” A ofensiva da irmã botou a mãe pensativa... a ponto de queimar as pontas dos seus dedos no fogão: “Ai, mas você hein minha filha...” - a mãe chacoalhando os dedos debaixo da torneira – Enquanto a água caia dona Isaura contestava: “Não é assim Letícia! Juninho disse que o Pedro mora na saída da cidade e é por isso que ele dorme aqui. Quando chegam tarde, não tem mais horários de ônibus para lá. Afinal Letícia, onde você quer chegar com essas suas insinuações? Você fala como se soubesse algo que não sei.”

- Ah... eu não sei não! Juninho anda muito estranho. Com uns amigos todos...

- Todos o que Letícia? Fala de uma vez!

- Esquisitos mãe! Nenhum trabalha, nenhum namora, nenhum estuda! Mãe, a senhora já parou para pensar... que... esses dois aí, podem estar até usando até drogas? E essa embalagem de preservativo agora no nosso quintal! Muito estranho isso. Sabe-se lá o que fazem por aí...

- Crendeuspai! Ave Maria, Nossa Senhora da Penha! Vira essa boca pra lá!

- Se eu fosse você eu pegava isso aqui – empunhando a embalagem de preservativo qual espada justiceira - e tirava satisfação com eles assim que levantarem, antes que isso chegue aos ouvidos do meu pai.

- Letícia você está exagerando! Respeitei seu irmão!

- Quem deve nos respeitar é ele. Se prestando a um papel destes! Por Deus não foi o papai que achou esse papel de camisinha no quintal...

“Achou o que minha filha?” – esbravejou o pai que entrava pela porta.

– Você disse camisinha? Não acredito que nosso filho anda trazendo mulheres para fazer ‘sem-vergonhices’ aqui no nosso quintal! Que pouca vergonha!

- Queria acreditar que fosse isso! – deixou escapar a irmã sem perceber. Ou não.

- É o que então?

- Por que o senhor não vai mesmo conferir no quarto dele?!

A conversa se estendeu e a discussão agora a três se esquentou muito daí pra frente. O veneno parecia escorrer boca abaixo de Letícia que, nunca havia se dado bem com o irmão, mas desta vez conseguiu se superar. O pai já suava frio de nervoso como sempre. Era um senhor muito sistemático e em alguns assuntos até um pouco ignorante e preconceituoso.

– Não, não! Não pode ser isso que estou pensando! Isaura tomou pela mão direita um copo com água e o comprimido calmante que Romualdo vivia a tomar. Na outra mão, um pano para limpar a testa do homem que não quis nem saber de mais nada e saiu atropelando tudo:

- Me dê isso aqui que eu vou ensinar esse filho da mãe a virar homem e é agora!

- Abre essa porta! Aaaabre! Abre essa merda Romualdo, vai ser pior pra você se não abrir!

Juninho, sem entender o que acontecia do lado de fora, se sentindo envergonhado pelo temperamento do seu pai diante de sua visita, tentou acalmá-lo:

- Pai, isso é jeito de bater na porta? Não sabe que tenho visita?

- Visita... visita!!!... Ouvir isso irritou o pai profundamente! Se havia um pouco de lucidez em suas atitudes, estas se perderam nesse instante! Essa frase foi a gota d’água para o pai que, arrombou a porta e sequer deixou o filho falar:

- O que vocês pensam que estão fazendo seus ‘viadinhos’? Eu não te dei de comer e onde morar até aqui pra você me traaair deeesse jeito! Lançando ao chão livros e quadros, gritava como um louco com um ódio terrível em seu olhar rude de general.

- Paaaiii, o que foi que fiz?! – Ainda sem entender, o jovem. Mas o pai não parava:

- E pensar que dei meu nome a você, seu desgraçado! Eu tenho nojo de você... Qual dos dois é a mulherzinha, hein?! Faaala! É você? É você... Seu, seu... seu... Meu próprio filho... me desonrando desse jeito (...) O pai perdia as palavras. Queria chorar, queria matar, queria mesmo era morrer naquele instante.

- Mas pai...

- Não me chame de pai! Cale a boca! – atirando um sapato contra o filho, acertou o espelho, que se quebrou em muitos pedaços feriando o braço de Juninho. Já tirava a sinta grossa de couro curtido quando Pedro se levantou afoito e tomou o rumo da rua sob vaias e protestos da família. Alguns vizinhos ouviram também e ficaram boquiabertos. Outros debochavam: “Que família, hein.” Enquanto disfarçavam nas janelas, puderam, os mais curiosos, presenciar também, a humilhante cena das roupas e pertences do rapaz serem arremessadas com todo ódio do terraço para o meio da rua.

O filho chorava muito: “Mããããããnhê... paaaaaaai, pelo amor de Deus! Não é nada disso!” O Pai revoltado, deu as costas puxando a mãe para dentro de casa. A mãe ainda confusa, mas totalmente submissa ao marido, nada fez. Entraram.

Neste mesmo instante uma chuva forte se iniciou. O velho Romualdo, como sempre, xingava tudo quanto podia ver. Portas, pessoas, controle, cachorro, nada era poupado. Encheu a cara com doses fartas de Uísque barato. E atirou-se na cama como um urso que se prepara para embernar. Era pra ele a melhor forma de passar um dia terrível como aquele.

Passadas algumas semanas, veio o arrependimento. Mas ninguém em casa queria admitir que não foi feita a coisa certa. A mãe já sentia muita saudade do filho, que fosse o que fosse, era filho e, sempre fora muito prestativo e carinhoso. Chegava a sonhar com ele voltando. A saudade fez com que ela, depois de uns dias, buscasse nas coisas que sobraram do jovem, um meio de tentar sanar aquela ausência dolorida. Abriu então a gaveta e em meio aos seus pertences encontrou uma carta. E em um trecho dela dizia: “Te amo muito meu amor! Agora já estou de três semanas! Quero que conte também para seus pais a novidade, não vai ser tão difícil assim”.

A mãe tremula, ficou roxa, verde, azul e chorou copiosamente! O pai limpava a beira da casa. A mãe foi ao seu encontro com a carta nas mãos. Como no dia da expulsão, uma forte chuva de verão se aproximava. Ventava muito forte. O vento trazia de longe folhas, papeis e tudo o que se imaginava. E de repente, o pai vê o vento trazer do telhado ao lado uma embalagem pequenina. E não quis acreditar na hora! Sim, era uma embalagem de camisinha, só que dessa vez de menta!

(...)

E hoje, em algum lugar, onde a paz e o amor ainda encontram espaços para persistirem, o filho de Romualdo Martiniano Junior nasceu. E junto de sua namorada, o jovem enfim, formou uma FAMÍLIA!

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

À ela


Se tivesse apenas uma palavra: alegria
Mas tenho todas as palavras do mundo
E enquanto tiver tempo
Dedicar-me-ei a ela a cada segundo
o sorriso é absoluto no rosto sereno
e não deixa espaço para uma única ruga sequer de preocupação
ela é labirinto; poucos sabem se achegar ao seu coração
o sorriso é absoluto
e não deixa espaço pra nenhuma forma de tristeza
o coração é enorme
e mais forte do que a rima é sua própria grandeza
ela é carinho, seus olhos brilham quando está feliz
e como ela se apresenta feliz
nela não há alterações de humor
nos dias de sol, chuva e estrada
nas noites de lua cheia, dilúvio e caminhada
nunca a vi nervosa, revoltada, ou brava
embora não me falte rimas para convencê-la
para descrevê-la já não tenho palavra

domingo, 8 de agosto de 2010

Melhores dias


As vozes a noite são mais surdas
A vida a noite é mais bruta
Os gritos a noite são mais loucos
Os roncos a noite são terríveis
Os grilos a noite são cantores
Irônicos cantores de terrenos baldios
São sons da noite fria
As estrelas a noite são tão lindas
A solidão a noite me visita
Algo me chama pra vida
A noite eu busco saída!
As casas a noite são escuras
As noites acordadas, aventuras
Tristeza
Sorrisos
Alegrias
E é a noite
Que se vive os melhores dias!

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

InSegura


A menina insegura, já não segura o coração
Já não segura, já não controla, já não comanda
Não, o coração já não lhe pertence
Como quem diz senhor de si: você não me manda!

Arrumou as malas e foi morar em outro peito
Talvez roubado, talvez a força... talvez entregue
Mas agora, bate o pé contra as ordens dela
E fazendo seus inúmeros caprichos segue...

Agora aprendeu a ser independente
E experimentar a sua palavra: liberdade
bate onde quer e para quem quiser
só não confunda liberdade com libertinagem

O seu coração agora procura, busca, vive
Por outro peito, por outra razão
Agora segura, menina insegura
As vontades do seu coração...