domingo, 22 de março de 2009

Pretexto

Da mesa de onde estávamos sentados pude notar a presença dela no lugar. Aquele cheiro passasse cem, duzentos anos era ainda bem-vindo ao meu respirar, confesso que cansado, de um quase cinqüentão. Mas era bem-vindo. Claudionor notou meu olhar perdido e foi logo indagando: - Você está em que planeta?
Achei conveniente responder: - no planeta dos impossíveis! Ele não entendeu. Nem eu naquele momento me entendia. Não entendia a vida. Não entendia como era estar a frente do grande amor da minha vida talvez, mesmo tendo construído uma vida ao lado de uma mulher espetacular, sensacional, linda. Mesmo tendo tido dois filhos – um sonho que consegui realizar – mesmo tendo conseguido ser bem sucedido em meus empreendimentos. Sim, sou um homem realizado, mas não sei se posso dizer feliz. E agora isso parece mais claro do que nunca, diante dessa mulher. Tão claro quanto confuso e difícil de entender. Como uma mulher que não vejo há anos consegue me envolver dessa forma? Meu olhar não sabe mentir. Ele se atrapalha e busca alguém a mesas e mesas de distância. Alguém que ainda mexe comigo. Não por beleza, não por perfume, não pelo seu jeito, sua roupa. Não pelo seu corpo uniforme que me remete a emoções ainda tão vivas – brasas – brasas que estão aqui e podem ser acesas a qualquer instante.
O verdadeiro amor nunca morre por completo. Eu tenho certeza disso! O que não sabia, ou ao menos não tinha experimentado ainda é que é possível viver amores paralelos – e isso não é traição – em maiores e em menores escalas. Sem apagar ou deixar de ter aquele amor por determinada pessoa.
Geraldinho, viemos aqui a este restaurante para que afinal? - Uma voz quase rouca penetrou meus pensamentos. Claudionor tinha razão. Eu deveria me concentrar no que era realmente necessário. Embora ele não soubesse ao certo o que me tirasse o foco. Queria apenas que pudéssemos tratar de negócios. Afinal, ele, um homem tão atarefado não tinha tanto tempo assim a perder com um sujeito como eu. Sim, um homem que se percebe de repente doente do coração. E o que importa na vida de um doente do coração? Todas as outras coisas não lhe deveriam ser secundárias? Não! Não na visão de um corretor de imóveis ganancioso que almoça comigo de olho em 5% por cento de tudo o que eu respirar.
Vamos, vamos falar de negócios sim Claudionor! – disse olhando nos olhos dele – que a essa altura já me havia irritado. Um homem que não compreende o amor de outro homem, será mesmo que merece ganhar o meu dinheiro? Será que lhe é sabido que para se fechar um bom negócio com alguém é preciso de algumas qualidades como... paciência, simpatia, elegância, estilo entre outras coisas.
- Pois então, Geraldinho, a área está avaliada em aproximadamente 1 milhão de reais. Seus homens já passaram pelo local. É perfeito para o que você procura, já há um barracão com 400 metros quadrados, mais ou menos o que o senhor procurava e ainda ele é cortada por uma das principais rodovias da cidade. O que facilitará em muito o transporte das mercadorias...
Claudionor continuava a falar... e falava com as mãos e com os olhos, e com a sobrancelha, e fazia desenhos no ar. E eu, bom eu... fitava Eliamara. Sim, estava mais linda do que quando tinha vinte anos. Os cabelos mais curtos. Usava um social fino. Parece que com o passar dos anos passou a ter uma preocupação maior ainda com a aparência. O que gerou de certa forma um equilíbrio de suas versões. Eu, talvez até pela idade, a prefira assim como está. Mas é bem certo que há vinte anos talvez preferisse ela com seus vintes e poucos. Não notei seus costumeiros sorrisos no seu rosto – jugo que deva ser pela companhia não tão agradável do senhor que a acompanha – seria seu marido? Ela estaria tratando de negócios... Como saber! E, é melhor que eu nem sabia. Quanto menos souber de Eliamara a essa altura da vida, melhor será pra mim. Claro, devo fugir! Temos essa tendência de optar pelo mais fácil. Aquilo que nos é colocado a disposição. Sempre parece que estamos tomando a conduta certa. Na verdade, na maioria das vezes, é certa aos olhos do mundo inteiro. E não, quase nunca, certa ao coração. Eu fugi de Eliamara a vida toda. E pergunto: como fugir de algo que está aqui dentro? Não passou!
Claudionor falava pelos cotovelos. Continuava a falar. Tinha uma lábia incrível. Podia dar milhões de qualidades a um lugar, tivesse ou não estado mesmo nele. Mas fosse bom , ou ruim o negócio, não me importava mais, eu estava disposto a fechar um pior negócio com um agente imobiliário que pudesse perder um pouco do seu tempo me ouvindo. Sim, um alguém que percebesse o lado humano que a pessoa tem. Alguém que não nos vissem somente como cifras e possibilidade de grana fácil.
-Pois não me interessa mais a área Claudionor!
-O Senhor só pode estar brincando – debochou o rapaz entornando o copo de água mineral de uma só vez.
-Não, não estou. Retruquei em tom mais sério debruçando os cotovelos sobre a mesa – Tudo o que quero nesse momento é não pensar em negócio. Não nesse tipo.
-Mas vai deixar escapar uma oportunidade dessas?
- Fala por mim, ou fala por você? Quanto é que você quer...
- Assim o senhor me ofende Dr Geraldo.
- E não é o que o senhor me fez desde que nos sentamos aqui?
- Eu fiz o quê? A esta pergunta não tive respostas. Mal sabe Claudionor que a intenção com a qual marquei com ele nesse restaurante, e não em nenhum outro do mundo nada tinha a ver com negócios. Nada tinha a ver com a área que este me oferecia. Tinha a ver com outra área, mais sentimental, interna em mim. Mas a essa, ele não conhece, não vê, não atribui valores.
Nesse instante Eliamara se levantou acompanhada do senhor que a conduziu pelos braços rumo a saída. No caminho olhou em nossa direção. Fez um pequeno sinal com os olhos e nada mais. Ela não sabia... mas naquele pequeno gesto de sua expressão se guardava mais de vinte anos de história.

3 comentários:

  1. De certa forma, em um mesmo dia, falamos de um mesmo assunto...essas dores de aqui dentro...

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  2. É, podemos inventar a história até, mas ela sempre parte de algo real

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  3. Eu me racho com os nomes que vc inventa huhahsuasa.
    Gostei do texto...acho que todo mundo que ler vai acabar se identificando com ele de algooma forma, ainda que não tenha uns 30 ou 40 anos de passado.

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