domingo, 5 de julho de 2009

Carta ao desconhecido


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Caro desconhecido,

Estou te escrevendo para partilhar alguns dos meus sentimentos mais intrínsecos com você. Estive pensando muito sobre a minha vida ultimamente – o que não chega a ser novidade, às vezes mais vivo na teoria do que na pratica – e pensei que necessitava de alguém para conversar. Pensei então em todos os meus amigos... e não encontrei um que pudesse me compreender, pensei nos colegas e também não obtive sucesso, pensei nos conhecidos e nada. Foi exatamente aí que me lembrei de você! Sei que poderá me ajudar - e que se não puder ninguém mais no mundo poderá -. Quero contar com sua imparcialidade, sua sinceridade, seu jeito de encarar aquilo que ainda não se confrontou contigo. Amigos, às vezes, não sabem nos dizer verdades que precisamos ouvir. Por vezes, nos colocam como melhores do que somos. E nós também nos colocamos diversas vezes melhores do que somos – quase sempre.
Na verdade esta necessidade que temos de apresentar ao mundo diferente do que somos se deve a importância que damos a opinião alheia. Esta é uma exigência de um mundo moderno que nos cobra a todo instante a perfeição. Não se importando com o preço que pagaremos para tentar atingi-la. Em alguns casos a cobrança começa em casa. Pais severos levam os filhos a fazerem tudo em determinadas ordens. Sem que haja questionamento, através de atos muitas vezes mecânicos que não os convencem da importância de se fazer o que se está fazendo. E quando não atingimos aqueles esperados objetivos começamos a inventar histórias para não nos sentirmos culpados. Passamos a sentir vergonha do que somos. Aprendemos a mentir criando falsas justificativas. E isto em um futuro pode acarretar vários problemas psicológicos. A casa, entretanto, a infância é apenas um exemplo dessa necessidade de moldar-se pela qual muitos de nós passamos.
A tevê, as revistas, os grandes meios de comunicações em massa, descarregam todos os instantes toneladas de imagens do que deve ser considerado o ideal para cada um de nós. Quando nos percebemos longe disto tudo, longe deste ideal exigido, nos matamos para que nos aproximemos ao máximo dele. Prova disto, são as academias estão a cada dia mais cheias. O crescimento de pessoas interessadas em cirurgias plásticas. Aplicar silicone nos seios, lipoaspiração, isto falando apenas de estética. E quem está acima do peso? Dá para imaginar a luta destas pessoas contra preconceitos de todas as partes? A rejeição machuca! É claro que com uma alimentação balanceada, acompanhamentos diários de nutricionistas, personal trainner’s e muita dedicação, muitos conseguem alcançar o objetivo de ter um corpo bonito. E ou, ao menos aceitável. Todavia, para os menos favorecidos economicamente é muitíssimo mais complicado. Primeiro que a maioria trabalha de seis a oito horas por dia, quando não mais que isso. Segundo pela falta de disposição comum após mais um dia estressante de trabalho. A alimentação irregular e muitas vezes improvisada, como refrigerantes, salgados, lanches diversos está longe de ser a ideal. Se come muito, porque se come poucas vezes no dia. A correria de um dia de trabalho, no qual, muitos não têm tempo sequer de irem as suas casas contribui de forma incisiva neste processo de busca pela aceitação...
Enfim, hoje em dia, não só os artistas, mas todos nós estamos vendendo a nossa imagem. Temos sempre que nos apresentar bem. O mercado pede isto. Os padrões estão aí e devem ser seguidos a risca por todos aqueles que não querem minguar até seus últimos dias. A beleza é mais que importante – chega a ser fundamental. É uma arma para quem conta com ela, e de igual forma uma arma apontada para cada um que não pode contar. Complexo de inferioridade, baixo-estima, depressão em alguns casos, são as munições desta arma que pode disparar contra nós! Esta idéia, esta cobrança está implantada dentro de cada um de nós que diante de duas pessoas distintas presta atenção apenas na opinião da considerada mais bonita. O cartão de visita é mais que a própria visita. Um corpo bonito fala mais que mil palavras. Não estou aqui falando apenas da preferência masculina. As mulheres estão cada dia mais exigentes – e com toda razão – não seria natural que só o homem buscasse pela beleza se estamos todos submetidos à mesma influência.
Você deve estar estranhando o assunto e o porquê foi o escolhido para que recebesse esta carta. Porque sei que todas as pessoas do mundo caminham na sua direção. E sei bem que você não espera de braços abertos nenhuma delas, senão todas. Estes problemas não serão resolvidos quando você fizer a leitura destas linhas, de forma nenhuma. Todas estas vidas passarão por você, todos estes acontecimentos já têm se mostrado diante dos seus olhos, dos meus, e de cada um de nós. Tudo o que você lê aqui não é novidade nenhuma para ninguém...
É por você que todas as pessoas mudam, e é contra você que todas elas lutam. Eu já perdi a esperança de tentar encontrá-lo. E já perdi as contas de quantas vezes tentei compreendê-lo. Agora busco por sua amizade. Eu já cheguei a conclusão de que não poderei vencê-lo. Quero agora envelhecer com inteligência e sabedoria. Sei que é muito difícil para nós todos que passemos a ver a imagem dos outros sem compará-la aos parâmetros que aprendemos. Mas gostaria muito que isso se tornasse possível. E ainda acredito que se tornará, em algum lugar que nos encontrarmos além de você, caro amigo tempo!!!

( ... amanhã mesmo enviarei, amanhã...)

3 comentários:

  1. Grande parceiro, digo o seguinte, no passado as pessoas não tinham televisão e internet pra se compararem umas com as outras. Hoje a gente se compara e vê imagens de perfeição todo dia. Isso arromba com as pessoas que não são bonitas ou belas ou bem sucedidas gerando uma angustia enorme.

    Antes a gente vivia em cidades menores, com menos gente, a familia era mais proxima, sempre tinha uma "tampa da panela". Agora tudo é mais frio, a família se desintegrou e nossos valores vem da televisão e de burocratas e não mais dos nossos pais.

    É uma merda mesmo. E luto contra isso. Sou um conservador

    abraço!

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  2. pois então caro Messias ... felizmente vivi um tempo em que a vida e as relações humanas eram mais simples e mais sinceras, com cobranças de valores reais e não os fictícios ... mas ainda estou por estas bandas de cá e tive que me contentar com a nostalgia das lembranças deste tempo e, para continuar a viver, aprimorar a sabedoria para me adaptar o mais que possível a este novo contexto ... mas enfim ... penso que sempre será assim ... sempre seremos nostálgicos de algo que foi e que não é mais ... sempre o que foi será melhor ao que é ... e o hoje será lembrado tb com saudades por mais irônico que isto possa parecer ...

    bjux amigo

    ;-)

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